Dois meses atrás, mais precisamente no dia 6 de outubro, fiz um post bem completinho (esse aqui!) sobre o que vi nos desfiles das semanas de moda de NY, Paris, Milão e Londres. Claro que não viajei pra ver os desfiles, hehehe, mas dediquei uns bons dias para analisar o que foi apresentado, eleger desfiles preferidos, apontar as coleções que mais gostei e identificar os detalhes que vão ser "febre" no verão de 2015. No meio do texto comentei sobre alguns padrões criativos que se repetiram em vários desfiles (transparências, fendas, kimonos, etc) e cheguei a iniciar a conversa sobre uma ideia que tem tudo a ver com o universo de quem cria, seja moda, seja propaganda, seja arte, seja o que for: o Efeito Nuvem.
Efeito Nuvem: todo mundo sendo impactado pelas mesmas referências.
Como falei naquele post, essa metáfora da nuvem explica o porquê de tantas marcas/pessoas/artistas criarem coisas parecidas simultaneamente. A ideia desse pensamento é que nós vivemos com uma nuvem que paira acima das nossas cabecinhas criativas. Essa nuvem tem referências de toda a espécie e é composta por todo tipo de assunto que nos rodeia: arte, arquitetura, música, moda, paisagismo, literatura, cinema. Ao mesmo tempo que nós criamos as referências e os comportamentos que alimentam essa nuvem, é nela que buscamos também inspiração para criar algo novo, ou pelo menos algo que nós temos a sensação de que é original. Acontece que nossas antenas não são as únicas conectadas. Milhares de outras pessoas das mais diversas áreas criativas, consciente ou inconscientemente, estão com seus radares ligados, sugando da tal nuvem, as mesmas referências que nós. E é neste momento que começamos a criar coisas tão parecidas, que daria para dizer que é cópia.
É mais ou menos assim que nascem as tendências de moda. O mundo começa a apresentar nuances repetidas em várias esferas visuais: videoclipes, filmes, decoração, novelas temáticas, etc, e esse material se transforma numa "previsão" do que vai ser sucesso em determinada estação. Este exercício de coletar e organizar essas informações que "pairam" em todas as esferas da nossa vida para transformar em produtos/conceitos/campanhas é tão importante que virou profissão: o Cool Hunting.
O Cool Hunter é, na tradução mais literal da palavra, um caçador de tendências. É uma pessoa atenta, observadora, 24h conectada ao que os outros falam, vestem, escutam, comem, visitam, apreciam, fotografam, lêem, uma pessoa que vasculha essa enorme nuvem sensorial, analisa, organiza, resume e transforma num material valiosíssimo que antecipa (em anos, até!) aquilo que as pessoas vão desejar consumir/ver/vestir. Parece loucura, mas é isso que explica o fato de vermos numa mesma semana de moda, tantas apostas iguais em marcas diferentes. Uma marca de moda minimamente organizada consegue programar suas coleções baseadas nesse material lapidado que é oferecido por um cool hunter. É um trabalho tão importante quanto criar a própria coleção em si, porque essa pesquisa feita com anos de antecedência é o que direciona a criação das estampas, o design das roupas e até a composição do styling de um catálogo.
Para vocês entenderem melhor a ideia da nuvem, fiz uma retrospectiva (bem rasa, tá?) de uma tendência que apareceu em vários desfiles para o verão de 2015: o floral com fundo preto. Não foi floral com cores candy, não foi floral miudinho, não foi floral art nouveau. Foi floral com fundo preto e flores exuberantes, bordados e brocados, Frida Kahlo style, o que fez sucesso nos desfiles.
Coleção Las Flores da Farm: trabalho incrível de "captar a nuvem" e transformar em coleção. O lançamento aconteceu no mesmo momento dos desfiles do verão de 2015. Arraso!
É bem verdade que desde que Frida Kahlo virou símbolo da causa feminista nos anos 70, ela nunca mais teve descanso e sempre inspirou a moda e as artes, mas nos últimos anos eu tenho percebido que a influência da artista se expandiu para todo um universo de inspirações latinas, abrangendo um conjunto de signos que remetem à estética de Frida de alguma forma: estampas incas e astecas, modelagens que lembram as roupas de flamengo espanhol, lenços com franjas, saias longas e babados excessivos, colares de pedras brutas, flores na cabeça, beleza rústica com sobrancelhas bem marcadas, sobreposição de acessórios, tranças pesadas. O estopim dessa latinidade colorida e dramática aconteceu nos desfiles de verão de 2015 (o de Valentino e Dolce&Gabbana foram os mais incríveis!) mas é um movimento que está, há tempos, pulsando na ~nuvem~ sobre as nossas cabeças e mais cedo ou mais tarde vai virar nosso maior objeto de desejo. E nem adianta dizer que não ligamos para a moda e seguimos nossas próprias tendências, porque não é verdade. Lembram do diálogo do filme O Diabo Veste Prada? Aqui óh, dublado. kkkkkkk
Daí para o Efeito Nuvem se espalhar é um pulo. Nós, reles mortais, que nem percebemos que iam chover flores, finalmente podemos colocar nossas mãos na mais nova tendência "original" do momento. Eu confesso que antigamente achava meio sacanagem ver uma tendência de moda só chegar às minhas mãos araras de fast-fashion uns 2 anos depois de já ter sido sucesso nas grandes maisons, mas hoje eu percebo como esse trabalho de "ler e interpretar" a nuvem é incrível e demanda um olhar muito sensível e apurado sobre todas as coisas. Então uma marca que investe nisso e se antecipa aos desejos do consumidor, tem que ter seu crédito devidamente reconhecido.
Alguém aí a fim de ser Cool Hunter? Porque eu estou. :)
Beijos, Carols
Carolina, como sempre com tanto cuidado nos posts. Ficou incrível!
ResponderEliminarSeria interessante você falar também da diferença entre tendência e macrotendência pra não confundir.
bjs
Carolzita!, que post i-n-c-r-í-v-e-l!!! Estou super tentada a fazer um curso de Cool Hunter! Call me?! :*
ResponderEliminarAcho que a maioria das pessoas vêm aqui elogiar seus looks, estilo, dizer que vc ta linda, etc. Mas eu quero dizer que gosto muito do que você escreve. Da forma como coloca as palavras, do humor... É muito bom encontrar um blog além do look do dia, que traz algum conteúdo, isso está cada vez mais raro na blogsfera.
ResponderEliminarCarol!! Eu amo seu blog!! Que texto lindo, e incrivelmente explicativo, eu nunca li algo assim em nenhum outro blog, de nenhuma f-hits! Bitchs que estão em todos os desfiles mas parecem que de tão alienadas não conseguem perceber nada além do look do dia! Acho que a grande exceção é a Theresa do fashionismo!! Vc sinceramente deveria ser agenciada por um grupo assim, óbvio que teria publicidade chata tipo pasta de dente e óleo de cozinha, mas você iria ter a oportunidade de ver tudo isso de perto e passar tanta informação legal pra gente!! Vc é inteligentíssima e te desejo todo o sucesso!! Carol divulga seu blog, faz contatos todo MUNDO merece conhecer seu blog!!
ResponderEliminarComo sempre um post impecável, muito bem explicado, as idéias super organizadas, fácil e gostoso de ler e entender ♥ Sabia que existia, mas não sabia que esse fenômeno tinha um nome! http://simsemfrescura.blogspot.com.br/
ResponderEliminarMarca se antecipa aos desejos do consumidor ou cria desejos?
ResponderEliminarFiquei pensando...
Carol, como sempre, um texto incrível, cheio de esclarecimento e "interessância".
ResponderEliminarAdorei!!
Carol, depois de ler seu incrível texto, tava doida pra chegar aqui na parte das mensagens para te indicar (se é que você ainda não conhece) a minha prima Renata Abranchs - criadora do Rio Etc e do Bureau de Estilo. Ela costuma fazer ao longo do ano, ai no Rio, encontros/workshops a respeito das tendências (em todos esses âmbitos que citou) pois ela faz um incrível trabalho de cool hunting! Beijos
ResponderEliminarAmo seu jeito de "falar" com a gente.
ResponderEliminarSempre tão claro e engraçado.
Adorei!
sempre penso nisso, Mariana!! tipo o ovo ou a galinha, sabe? Steve Jobs tinha a teoria oposta, ele entendia que as marcas são responsáveis por criar os desejos no consumidor e isso de fato acontece quando o movimento vem de uma marca famosa, para uma popular. Mas quem influencia a criação das grandes maisons? Aí eu acho que é mesmo esse movimento. Bom, é uma questão super interessante a se abordar, porque eu também sempre fico pensando quem começa o quê primeiro. hehehehe
ResponderEliminarAmanda! Conheço a Renata apenas de ouvir falar por conta do Rio Etc. Os workshops dela devem ser incríveis! Vou ver se num próximo encontro eu me inscrevo, porque agora tenho horários de trabalho mais flexíveis. :D Sou louca para estudar cool hunting de forma mais aprofundada. Ano que vem vou me dedicar a alguns cursos nessa área! :D
ResponderEliminarbeijosss!
heheheheh o nome surgiu numa conversa que tive com um chefe uma vez. kkkkk na verdade existe a profissão do cool hunter, mas o nome para esse universo de referências, não existe de fato. Foi uma metáfora que meu chefe encontrou para materializar esse conceito. :D
ResponderEliminarbeijos
Oi Carol, apenas uma observação: isso que os institutos antecipam como tendência (antecipação, por vezes, de anos, como você observou), como o próprio nome diz, "tende" a acontecer. Mas no momento em que a indústria (de qualquer ordem) transforma isso em bens de consumo, em objetos materialmente reconhecíveis, eu diria que a indústria menos que antecipar o desejo do consumidor, induz, constitui esse desejo, determina um querer. Neste sentido, o que antes pairava no ar, nos é imposto como a tradução daquilo que nós queríamos, mas não sabíamos. Há uma boa dose de apropriação e imposição aí.
ResponderEliminarEu acho esse diálogo do diabo veste prada muito interessante....dá para entender como tudo está meio que interligado
ResponderEliminarbjs
Olá Carol, gostei muito do post, principalmente dessa retrospectiva visual! Mas fiquei um pouco intrigada agora...Se o "efeito nuvem"não eh um conceito já utilizado para descrever o fenômeno é surgiu apenas de uma conversa, talvez vc deveria ter mais cuidado ao utilizar no texto termos como "teoria da nuvem", "segunda ela", pois acabam dando uma conotação mais científica/acadêmica e levam a entender que o termo realmente já existe e consiste numa teoria já referenciada no mundo da moda.
ResponderEliminarCarol, achei esse post o máximo! Eu estudo Publicidade e Propaganda e, com certeza, essa sua postagem expandiu demais meus conhecimentos e minha forma de perceber algumas coisas. Olha, acho que você deveria investir mais em postagens desse tipo, ainda não vi nenhuma blogueira falar de tais assuntos com tanta propriedade como você. Adoro o seu blog e espero conhecer mais da sua percepção em relação a esses temas, que envolvam publicidade e moda. Parabéns! Grande beijo.
ResponderEliminarOi Cris! você tem razão! corrigi o texto, mudando a palavra "teoria" por metáfora e "movimento" por ideia. Realmente o conceito nasceu de uma conversa informal com um chefe, melhor deixar isso mais claro. Obrigada pela observação!!! :*
ResponderEliminarCom certeza!! acredito nisso também. Claro que as marcas se antecipam nas suas coleções, mas depois de criarem e produzirem tudo, elas têm que dar um jeito de enfiar aquilo goela abaixo do consumidor. Você tem total razão, rola sim uma imposição subliminar. ;) Esse assunto rende!
ResponderEliminarCarol,
ResponderEliminarsaindo do universo do vestuário, partindo para o da alimentação (hummm!): as paleterias e restaurantes mexicanos estão vivendo um bum este ano em São Paulo - não sei no Rio. Há dois anos havia um único vendedor em São Paulo, de paletas. Hoje, nem sei. Aqui na Vila Madalena, são três. E já surgiram dois novos restôs mexicanos.
P.S. pensando assim, o fenômeno churros também vem desta nuvem de tendências. ^^)
Carol, isso aconteceu comigo no meu projeto de graduação, um livro sobre umbigos, em 2001. Naquela época, quando eu ja estava avançada no tcc, rolou um comercial de iogurte falando sobre umbigo (!!) e no finalzinho do tcc rolou uma exposição da Sonia Lins no Bela Artes e adivinha o tema? Umbigos! hahahaha Eu quis morrer e o meu orientador disse q era essa nuvem, pra eu ficar calma sobre isso, ir na expo e convidar a artista pra apresentação do trabalho :)
ResponderEliminarTotal que é o ovo e a galinha Carol! Na verdade isso é toda a discussão sobre a Indústria Cultural né, da qual a moda faz parte. Penso muito nisso porque como boa socióloga, sempre acho que as coisas não brotam do nada (A chata! :P) Mas ótimo o teu texto!
ResponderEliminarParticipei de um workshop da Karlla Girotto há muuuito tempo atrás, e ela foi a primeira pessoa que me trouxe esse pensamento de tendência. Na verdade, foi um tema que me interessou tanto que até nos meus trabalhos da graduação eu faço um estudo disso, sempre trazendo conceitos da moda para a metodologia do design. Um dos pintos que ela citava era da tradução subjetiva de algo que está acontecendo no mundo, ou seja: o subjetivo construindo a nossa individualidade .
ResponderEliminarParabéns pelo psot, faça mais assim! :]
[…] de um post que escrevi há uns tempos aqui no blog, sobre o efeito nuvem? Esse aqui. Resumidamente, no post eu falei sobre como as pessoas são impactadas pelas mesmas […]
ResponderEliminarEu sei que eu tô meio atrasada pra comentar esse post (hehehe) mas é que achei tão bom e relevante para quem curte área de moda que não quis deixar de expressar meu contentamento. Dos blogs de moda que conheço o seu é um dos mais completos e acho que você deveria trazer mais conteúdos como esse, explicando o universo da moda a fundo. Adorei o exemplo da tendência flores+Frida e sobre o trabalho de Cool Hunter , que ao mesmo tempo que parece ser um desafio, igualmente parece ser bastante motivador! Como consumidora que navega por várias e-commerces (inclusive gringas) vejo algumas brechas enormes que a moda brasileira deixa escapar. Tendências que já fervem lá fora e, como você disse, demora um tempo pra vir pra cá. Você acha que quem consegue fazer esse tipo de análise deveria investir nessa área? Bom, fica pelo menos a reflexão. Beijos!
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