A pele que habito

27 abril 2016
Eu vou tentar explicar meu raciocínio usado minha própria experiência como metáfora, afinal o que eu faço neste blog além de relatar uma moda totalmente umbigocêntrica, não é mesmo? É que quando falamos sobre coisas da nossa vivência, conseguimos detalhar com mais propriedade e é assim que pretendo me fazer entender sobre o tema que quero abordar no artigo de hoje.

* * *

Eu não me recordo disso, mas minha mãe até hoje conta como eu fui uma criança absurdamente imaginativa. Segundo mamãe, minha brincadeira preferida era inventar personagens e, para isso, eu trocava de roupa dezenas de vezes ao dia, até minha mãe finalmente dizer "Carolina, chega de trocar de roupa por hoje!". Eram muitas Carolinas de todas as formas e para todos os efeitos. Fui palhaça, bailarina, indiana, hippie, ginasta. Minha roupa preferida era uma fantasia de leopardo que eu nunca tirava do corpo e meu passatempo favorito era invadir um quartinho cheio de tecidos exóticos que minha tia Julie trazia das viagens que fazia ao Equador, Marrocos, Índia. Ou seja, tudo o que eu quis ser, eu realizei na minha infância e não havia limites para a troca de roupas a não ser quando mamãe cansava de me mandar recolher a bagunça que eu criava. Era a fase da criação livre, a materialização do enorme campo de possibilidades que existe na vida de uma criança criada num ambiente de livre expressão, como deveriam ser criadas todas as crianças.

Foto absolutamente macabra: minha prima fantasiada de noiva, uma criança fantasiada de monstro atrás da gente e eu envergando o orgulho de quem nasceu pra ser um leopardo. Era carnaval nesse dia, mas eu usei essa roupa de leopardo em diversas situações fora do carnaval. 
Lá pelos 12 anos entrei numa fase de experimentação fashion, talvez meus primeiros momentos em que fiquei maravilhada por peças diferentes, texturas, misturas e a incrível possibilidade de usar saltos altos. Ia para a escola assim, com toda a sorte de vestimentas chamativas, que meus amiguinhos sempre achavam muito estranhas, mas estranhamente se atraiam por isso. O trânsito entre a infância e a adolescência foi interessante: eu me permitia uma certa fantasia na hora de vestir, mas começava a tomar consciência do impacto das minhas roupas. Essa foi a fase das primeiras construções textuais que fiz através da roupa. Meu texto era, sem dúvidas, muito claro: sou incomum e quero que vocês gostem disso. É claro que nessa época eu não tinha noção do que falo agora, mas analisando em retrospectiva, posso dizer que fui uma pré-adolescente com uma vontade muito grande de me diferenciar dos outros e impor certos traços da minha personalidade para ganhar respeito dos coleguinhas.

Por volta dos 17 anos entrei na era do "quero-ser-igual-a-todo-mundo". É por volta dessa idade que mais sentimos a necessidade de pertencimento, já que a alteração hormonal típica da adolescência nos traz, entre outros sintomas, essa sensação de solidão, abandono e incompreensão que parece que o mundo tem com a gente. Não fui diferente. Não fui uma adolescente "cabeça", bem resolvida. Fui clichê, chorei no quarto, ouvi rock até estourar os tímpanos, pintei o cabelo de vermelho, mas principalmente tentei vestir qualquer coisa que me aproximasse de uma "tribo" da qual eu queria fazer parte. E assim transitei entre ser uma gótica punk, usando coleira de espinhos no pescoço, olhos pretíssimos e roupa esquisita,  até ser uma super patricinha de conversa fútil, usando blusinha pólo e calça justinha. Essa foi a fase da aceitação: eu precisava fazer parte de qualquer grupo, me sentir validada pelos meus pares, ainda que isso pudesse ser uma forma de tolher minha real essência. Com essas roupas eu escondia minha personalidade que, caso exposta, seria pouquíssimo popular: eu era uma nerdzinha, super estudiosa, que achava muito mais legal decorar todas as eras jurássicas e os nomes científicos dos respectivos dinossauros do que ir pra uma baladinha beber. 

Eu aos 17 anos: uma dinossaura travestida de patricinha.
Por volta dos 22 anos voltei a experimentar coisas diferentes. Experimentei as roupas mais estranhas e aprendi com elas. Causei repulsa, atração, estranhamento, chacota e essa fase durou uns bons anos e me acompanhou em vários momentos. Mudei muitas vezes, adaptei meu estilo ao clima, à cidade, a um emprego, a tantas variáveis que quase posso dizer que voltei a ser criança e todos os dias saía de casa com um personagem diferente. Esta foi a fase da confusão: nesta fase eu acumulei dezenas de roupas, dezenas de estilos, multipliquei a quantidade de opções e me perdi inúmeras vezes na tentativa de encontrar um eixo, uma forma de retratar, com veracidade, a minha alma, a minha essência. Eu experimentei tantas Carolinas, cada uma expondo uma coisa diferente de mim, mas nenhuma retratando realmente quem eu era e algumas me causando um profundo desconforto ao qual eu, insistentemente, continuava me submetendo em prol da beleza/aceitação/sei lá.

Agora, aos 30, entrei na fase do conforto. Conforto é a palavra que eu mais tenho usado nos últimos textos e looks do blog e, de tanto proferi-la, acabei por ter uma revelação muito íntima sobre este momento. Aos 30 anos eu consigo perceber cada nuance da minha personalidade de forma muito mais clara. Não é que eu não possa experimentar ou mudar daqui pra frente, mas é que o "barro" vai endurecendo e tomando formas mais nítidas. É óbvio que ter um blog onde relato minhas experiências, de moda e de vida, ajuda muito a fazer uma análise constante das minhas escolhas e motivações, mas chegar aos 30 realmente nos traz uma luz bem forte sobre nós mesmas.


Hoje, aos 30, eu me sinto relativamente confortável com o que sou. Não quero dizer que sou perfeita, ou amo tudo em mim, ou convivo numa boa com meus defeitos, não, muito pelo contrário kkkkkk. O que quero dizer é que estou 100% consciente do que eu sou, da pele que habito, com todos os problemas e benesses que esta pele e alma me trazem. Hoje eu sei que, apesar de ser uma pessoa animada e divertida, minha parcela de extrema introspecção e silêncio devem ser respeitadas, não importa se alguém está me achando muito chata por isso. Hoje eu sei que meu lado extremamente prático, beirando a impaciência, e meu realismo quase cruel, são características que me fazem perder menos tempo com bobagem, sofrer menos por coisas que não posso resolver, ser mais assertiva, mais objetiva, mesmo que me renda poucas amizades.

Hoje, aos 30, minha personalidade impera acima da vontade dos outros, da necessidade de aprovação constante, do medo de rejeição e, por me sentir confortável dentro da minha pele, é natural que minha roupa, meu estilo, meu armário, sigam esse caminho. É natural que eu busque um estilo que traduza essa procura constante por estar confortável em minha própria pele. E acredito que, à medida que vamos ficando cada vez mais velhos, essa necessidade de conforto nas roupas vai aumentando justamente por isso, porque ao aceitarmos quem somos, nossos defeitos e limites, buscamos roupas que não enclausuram nossa essência, nem sufocam nossos movimentos. 

Resumindo: a melhor descoberta dos meus 30 anos é que hoje não sinto necessidade de impressionar ninguém, nem usar roupas que falem coisas sobre mim que nem eu mesma diria. (talvez abriria uma exceção para a roupa de leopardo hehehe). Ainda estou dando os primeiros passos em direção a esse "novo estilo", mas já tem sido um exercício maravilhoso esse de escolher roupas, tecidos, cores, modelagens de acordo com traços muito peculiares da minha personalidade (farei um post especificamente sobre isso). 

Não sei se este vai ser um post útil para vocês, ou sequer se vocês gastam o tempo pensando, analisando e ruminando sobre esse tipo de assunto, mas eu tenho passado realmente muito tempo questionando todo o universo de coisas que me representam como ser humano e claro que o ritual de vestir, sendo um dos universos de expressão mais significativos da minha personalidade, acaba sendo alvo das minhas profundas e constantes reflexões neste blog. 
21 comentários on "A pele que habito"
  1. Muito bom! Como é bom sabermos quem somos! Obrigada por compartilhar esse texto conosco!

    ResponderEliminar
  2. Vc é minha diva... Inspiração!!!

    ResponderEliminar
  3. Anónimo27.4.16

    Tenho pensado sobre isso também, Carol. Aos 27 anos estou meio que "em crise" com meu estilo... Ou falta de definição dele. Não sei. Ultimamente o conforto tem sido uma prioridade pra mim e tenho tentado fazer compras mais conscientes, mas ao mesmo tempo ainda não sinto que me encontrei. 😕

    ResponderEliminar
  4. Carol, eu adoro tudo que você escreve! Você consegue ser engraçada, profunda e filosófica em um só texto. #amo

    ResponderEliminar
  5. Carol me identifico muito com seu estilo e também estou nessa fase de me encontrar. Estou com 22 anos e está sendo um caos rs. Mas creio que um dia eu me 'encontro'. Mas sempre gostei do estilo prático e rápido e confortável de se vestir. Acompanho seu blog à tempos.. sucesso sempre bjs

    ResponderEliminar
  6. é nítida a mudança no seu estilo desde quando começou o blog, admiro as pessoas que são assim, "camaleoas", graças a deus que estamos em constante evolução e acredito eu que sempre pro melhor
    =)

    ResponderEliminar
  7. Ah os 30... nos trazem reflexões sobre nós mesmos tão puras, realistas e auto críticas que só nos ajudam a conhecer mais quem somos, quem não queremos ser e o caminho que queremos seguir daqui pra frente. Identifiquei-me muito com seu texto (tanto que postei um trecho no meu ig ( @aline_souri ).
    Vc é linda e cada vez fica melhor.

    bjnhos

    ResponderEliminar
  8. Engraçado como to me identificando demais com tudo isso. Também estou com 30 e numa baita crise com meu armário, parece que nenhuma das minhas roupas me representa mais. Hoje entendo que isso acontece porque as roupas foram compradas em uma época que ainda estava muito confusa e tentava me encaixar em um padrão de "roupas de escritório/moça séria" na tentativa de impressionar o chefe. Acabava comprando roupas que não tinham nada a ver comigo, e agora percebo que roupa de trabalho não precisa necessariamente ser careta, e que estava fazendo tudo errado.

    ResponderEliminar
  9. Rainha da p*rra toda! Tu é danada, Carol!

    ResponderEliminar
  10. Texto maravilhoso. Me fez refletir bastante!

    ResponderEliminar
  11. Eu amo ler seus textos Carol.
    Principalmente se forem enormes e reflexivos! hahaha
    <3

    ResponderEliminar
  12. Posso dizer que me identifiquei com várias passagens, Carol. Comecei super novinha no teatro, com 8 anos, brincando de vestir personagens (e seus figurinos, claro) desde cedo. Minha pré-adolescência foi marcada por uma fulminante paixão chamada saia-e-tênis, enquanto minha adolescência vivenciou momentos Lana Del Rey e Elle Woods. O ingresso na faculdade de Direito me fez entrar pela primeira vez em uma loja de alfaiatarias e hoje, formada, aos 23, tento conciliar meu guarda-roupa de trabalho - que não raras vezes acho bem chato - com minha vontade louca de sair por aí usando vestidos coloridos. Sinto que tenho muito a refletir ainda sobre quem realmente sou. Minha eterna autorreflexão demanda cada vez mais uma faxina de mente e de estilo. Obrigada por compartilhar sua experiência!

    ResponderEliminar
  13. Giulia29.4.16

    Oi Carol! Sou leitora do blog a muito tempo e nunca comentei aqui pq sou assim mesmo rs
    Tenho 26 anos e também estou nessa fase de "assumir" minha personalidade mas principalmente de aprender a ouvir quem eu sou, o que gosto... enfim de me conhecer de verdade depois de tanto ter me negligenciado buscando agradar os outros. Adoro acompanhar seu desenvolvimento em relação à moda e estilo, me fez questionar várias coisas em relação ao meu próprio estilo. Imagino que isso também tenha mudado outros aspectos na sua vida... como sua arte, trabalho...
    Enfim, gostaria que vc soubesse que o seu blog me conforta muito pq acho muito interessante a forma como vc não tem medo de experimentar coisas novas e isso me motiva a experimentar também, com uma leveza e humor que eu não levava antes, acho que eu tinha muito medo do julgamento e agora não tenho mais me importado tanto com isso. Obrigada por compartilhar suas vivências conosco! bjos :)

    ResponderEliminar
  14. Renata A.29.4.16

    Me identifiquei muuuuito com esse texto!
    Um episódio recente ilustra bem isso: comprei calças de viscose para trabalhar, deliciosamente confortáveis, cintura alta, claramente esquisitas. Meu marido olha pra mim e diz "essa calça é aí em cima mesmo?" ao que eu respondo "é, é aí mesmo", e saio com um sorriso de orelha a orelha, porque me olho no espelho e me acho linda, porque tô muito eu.
    Parabéns pelo blog, leio sempre!

    ResponderEliminar
  15. Carol, me identifiquei muito com esse texto! Estou com 25 recém-completados e minha crise de o que eu sou, o que eu quero tem se refletido diretamente no meu estilo. Muito do que eu tenho não me representa mais e, ao mesmo tempo, não sei o que representa para adquirir. Estou num limbo, rs. É engraçado pensar nessa conexão interior-exterior, essência-reflexo e gosto muito como e quando você o faz. Espero chegar logo na fase do conforto e da tranquilidade de ser eu mesmo (seja lá o que isso for). Um beijo!

    ResponderEliminar
  16. Impressionante, lembro bem do "boom" dos blogs de moda, e acompanhei o princípio daquilo tudo... Me apaixonei pela moda a partir das blogueiras, hoje em dia isso pode parecer, um pouco clichê, né? As utilizava como “janelas” para o que a moda trazia (digamos assim), deixa eu tentar explicar, a partir de uma pequena palavra, como “slip on, okford, comprimento mídi” (que para mim, na época era irreconhecível), enfim, era sobre esses pequenos detalhes que ia estudando a moda, a curiosidade me fazia pesquisar e me fez ler, ler muito.. Mas a um tempo tenho sentido a necessidade de um blog verdadeiro... Bem, deixa eu ver se você me entende, uma página que mostre além do “look do dia”, a moda tem tantas facetas que para estuda-la é necessário usar de um diferencial... Esse comentário não é para falar desse post em especifico, mas para falar sobre as suas postagens como um todo, acabei de conhecer seu blog e reencontrar a garota que passava o dia lendo as postagens das blogueiras (que hoje, me parecem cansativas), enfim, tudo isso só para te parabenizar pelo conteúdo! 

    ResponderEliminar
  17. Jacque2.5.16

    Oi Carol,

    Continue sim com esses textos sobre essa busca, acho muito interessante até porque eu mesma comecei esses questionamentos. Recem completei 29 anos e percebi que ainda me vestia com uma menina, talvez fosse o medo de me tornar uma mulher, de parecer mais velha. Mas percebo o quanto é necessario isso, porque o que está dentro do meu coração e alma não é mais uma menina e sim uma jovem de 29 anos e externalizar isso é libertador, finalmente o que está dentro conversa com o que está por fora e isso faz nos sentir mais coerentes e equilibradas.

    ResponderEliminar
  18. Anónimo2.5.16

    Eu estou vivendo justamente o avesso disso tudo após os 30. Tive uma adolescência feinha (mãe crente, sabe cumé), fui uma jovem que não sabia direito como me expressar no vestuário e finalmente assumi minha feminilidade após os 30. Hoje eu me visto para ser vista, porque quero que as pessoas vejam como me sinto bonita, sem neuras, me aceitando tal como sou. É bom, é libertador. Vou deixar o conforto pra próxima década, talvez... rsrsrs

    ResponderEliminar
  19. Há dois dias para entrar com tudo nos 28 anos, me identifiquei demais com a sua mensagem Carol! Estou entrando nessa fase da busca pelo conforto, em todas as esferas da vida! E como é bom.. como é libertador.. não é mesmo?
    Parabéns pelo dom da escrita, pela facilidade e clareza com que transmite os seus pensamentos.. Você arrasa!

    ResponderEliminar
  20. Anónimo3.5.16

    mulher,tu é incrível, obrigada por toda essa reflexão e sinceridade. Beijo

    ResponderEliminar
  21. Eu acho essa busca por compreender a si mesma a partir dessa perspectiva a coisa mais linda que pode acontecer a um ser humano. Se conhecer, se respeitar, seja em qualquer perspectiva, o mais importante de tudo isso é aceitar a si mesmo e descobrir que a felicidade mora aí. Para além de uma vida fashion, tudo isso trata, muito sensivelmente, de humanidade. Obrigada Carol.

    ResponderEliminar