Terra à vista

06 março 2015
Se te jogassem no meio do mar, de olhos vendados, para que lado você nadaria?

Foram alguns anos de natação. Talvez uns 3, mas a memória infantil não me permite recordar com clareza a exatidão do tempo. Quando somos crianças (ou quando amamos) o tempo tem uma proporção diferente e somos incapazes de calcular o real distanciamento dos eventos. Portanto, presumo que os 2 anos em que treinei nas piscinas do Corpo de Bombeiros de Sintra, talvez sejam apenas alguns meses. De toda forma, eu sei nadar. Bem. Crawl, peito, borboleta, costas, aquela cambalhota marota que nos impulsiona a voltar a raia inteira novamente. Então nadar não é um problema. De quebra ainda sou apaixonada por mar e fui criada nele. Praia o verão inteiro, ondas quebrando na cabeça, muita água engolida, muita maré que puxa, muita areia embaixo dos pés. Por pior que seja a correnteza, a praia está ali para nos mostrar que a segurança está por perto.


Mas aí a gente se encontra à beira dos 30 anos, depois de nadar um sem fim de estranhas marés e não chega nem perto de uma ilha paradisíaca, serena e estável. Estamos em plena tempestade, sem vela, nem bóia de resgate. Nadadores olímpicos, mergulhadores profissionais, divas do nado sincronizado, surfistas de tsunami, sereias de contos infantis, todos sem exceção têm um destino para o qual precisam direcionar suas braçadas. A metáfora pode parecer boba, mas o sentimento é real e é nele que me encontro, eu e tantas pessoas da minha idade.


Estamos nadando sem bússola, sem astrolábio, sem ver um pedacinho de pedra que nos dê um norte. Paralisamos diante da imensidão do mar de possibilidades e nos tornamos incapazes de fazer planos, seguir rotas, porque não sabemos qual o destino que queremos chegar. Crise dos 30, uns dizem. Crise da geração, dizem outros. Nossos pais tinham um único propósito: casa, comida e estabilidade. Nós, frutos dessa geração intermediária entre o telefone fixo e o iPhone, queremos a felicidade plena, as viagens loucas, as descobertas intensas, a liberdade sem limites, as experiências inesquecíveis e, por fim, o mesmo que nossos pais: a casa, o casamento, os filhos, a estabilidade, a maré calma. É muito destino pra pouca braçada e às vezes falta fôlego pra seguir nadando.


É certo que em meio a esse mar revolto a sobrevivência prevalece, porque essa é a natureza humana. Somos marinheiros de uma viagem só. É certo também que e a ordem natural das coisas ajusta nossos eixos e se encarrega de nos mostrar um caminho, seja ele qual for. Mas enquanto o caminho não surge, enquanto o mar não acalma, enquanto a água é tão funda que não vemos os pés no chão, nossa alma vai sendo inundada por angústias que nos levam a acreditar que, de nada adianta saber nadar, se não houver no mar, um pedaço de terra à vista.


Beijos, Carols

24 comentários on "Terra à vista"
  1. Texto lindo! Me emocionei e me identifiquei muito, estou passando por essa fase. Acho que todos passamos em algum momento, né?
    www.simplesbela.com

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  2. Bruna Veiga6.3.15

    Nossa Carol, amo todas as suas postagens, mas essa foi perfeita! Exatamente meu momento atual (tb estou quase nos 30). Vc transformou perfeitamente em palavras o que ando sentindo. Parabéns!

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  3. Juliana6.3.15

    Uau, que texto incrível, Carol! Fiquei até arrepiada ao ler, gostei muito! Faltam 2 anos pra eu entrar na casa dos 30 e não poderia ter me identificado mais... acho que pode ser uma combinação de crise dos 30 junto com crise de geração. Li um post em outro blog essa semana sobre o mesmíssimo tema, em conversas com amigas isso também volta e meia aparece.. você botou em palavras algo que certamente todas as pessoas passam.
    Bjs!

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  4. Denise6.3.15

    Perfeito Carol, me identifiquei muito com seu texto. Se vc descobrir a terra prometida, conta pra gente OK? Enquanto isso, continue a nadar...

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  5. Con Souza6.3.15

    Oi Carol, adoro seu blog, mas nunca comentei...

    gostei do texto. Simples e direto, bem eu neste momento dos meus 3.3, nadando e por enquanto sem terra a vista (detalhe é que não sei nadar, rsrsrs) Mas sei q vamos chegar lá ;-)

    bjs Con

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  6. Emanuella Calaça6.3.15

    Carol que texto lindo, estou com 3.5 e a crise ainda continua, quero viver tudo ao mesmo tempo e falta foco em detrimento de tantas possibilidades

    um grande beijos

    Muito obrigada

    Manu

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  7. Luciane6.3.15

    Uau, lindo texto!! Derepente30 e ainda nadando na tormenta. Mas a vida segue ;)

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  8. Denise6.3.15

    Oi Carol! Fazer 30 não é fácil... muita coisa que a gente achava que já teria aos 30 está, na verdade, muito longe de acontecer. Sabe aquele filme "de repente 30"? Pois é, eu achei que aos 30 eu estaria em uma das duas condições da personagem: na ilusão ela é bem sucedida e tal, já é uma mulher (sem ser desleal como ela na ilusão)! E no fim do filme, quando ela está realmente vivendo os 30 anos, ela está casando, formando família etc. E não é isso que tá rolando aqui, não! Nada disso! Mas acho que faz parte, porque outras amigas de 30 (ou quase) estão passando por isso também... Acho que um dia a gente consegue chegar lá, em terra firme! Ou se acostuma com o balanço do mar...

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  9. julia6.3.15

    adorei o post, carol!

    eu adoro seu estilo e, de vez em sempre (rs), eu me pego olhando alguns looks (principalmente no pinterest) e morro de vontade de te mandar de alguma forma! haha como faz? sério que são coisas que vc iria amar! haha :*

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  10. Simone6.3.15

    Que texto lindo, Carol. Muita sensibilidade, parabéns.

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  11. Isadora6.3.15

    Foi seta no alvo de muita gente esse texto, inclusive no meu. Mas tenho que fé que essa terra aparece.

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  12. JULIANA6.3.15

    "É no chacoalhar da carroça que as melancias se ajeitam...". Contamos com isso.

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  13. Texto ótimo!Super me identifiquei!!! Parabéns!!!

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  14. Eu nunca, nunquinha comentei no blog seu. Leitora de anos já. Shame on me.
    Hoje seu fragmento assentou no meu coração e aqui deixo meus vocábulos.
    Acordei com uma mensagem de uma amiga que mora longe e é a mais querida de todas.
    Casou com seu texto, dizia: "Andando sem objetivos, nadando e procurando. Cadê o tesouro?"
    A panapaná ululante das que estão na casa dos 30 balanceia nos céus.
    No âmago a inesgotável questão entre o ser e o estar. Shakespeare e a batida pergunta: "To be or not be?"
    Ser ou não ser O QUÊ? Essa é a indagação. Ser isso ou aquilo parece tão fácil. Copy & paste.
    Você compositora de sua melodia. Verdadeira dentre muitas deste mundo cibernético.
    Enviarei teus escritos a muitas e espero que se sintam representadas como eu, aqui.

    Um afago na sua humanidade,
    Camila.

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  15. mírian6.3.15

    bateu forte.

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  16. Amanda7.3.15

    São momentos para desenvolvermos a paciência e aprendermos DE FATO a esperar ;) .

    Beijos e a terra vai aparecer!!

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  17. DenielleNovais7.3.15

    Seu texto é um acalento para a minha alma. Especialmente, hoje, era aquilo que precisava ler. Não só para ler e saber que algumas(muitas) pessoas pensam como eu ou compartilham do mesmo "sofrimento". Mas para que possamos materializar em palavras a pressão que tá esse mundo, perdemos a estabilidade, falta a gravidade que nos mantém em pé em meio a gravidade e proporção que os problemas acontecem, ou se tornam. Nossa geração precisa se destruir para se reconstruir, vivermos uma vida mais leve, mais respeitosa e especialmente com mais apreço pelo que mais importa nesse mundo...quem faz parte dele!

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  18. Carol Campos7.3.15

    Seu texto foi certeiro. Gratidão pelas palavras. Eu, às vésperas dos 30, libriana e Carol, como tu, ando vivendo sentimentos parecidos. Que as correntes de energias nos conduzam ao porto. bjos

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  19. Mariana7.3.15

    Você escreve muito bem! Parabéns

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  20. aretha7.3.15

    Oi Carol,

    Acho que somos muitas (os) nesse marzão. Estou em meio as minhas braçadas descoordenadas em busca de sabe-se Deus lá o que. Não sei qual é a direção, mas o legal disso tudo é "esbarrar" com pessoas bacanas nesse mar que parece sem fim ,talvez esse seja o destino!

    Bjux

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  21. Mari8.3.15

    Obrigada!
    Simples assim! Por descrever tão bem as angústias de tantos!
    Guardarei com muito carinho esse texto, sempre que a ansiedade bater :)
    Beijos! E parabéns pelas palavras e pelo estilo!

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  22. Walkyria9.3.15

    e às vezes falta fôlego pra seguir nadando...

    resumiu tudo.

    Eu tenho 2.3
    Mas algo me diz... que eu nasci de traz pra frente! (Benjamin Buton?)
    Porque as vezes, tipo meio que em todas elas, parece que não vivo intensamente, por pensar 30 vezes antes de tomar uma decisão e por ter medo de meter o pé na jaqueira de vez!

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  23. Aline Fiorelli11.3.15

    Não tive como não me encontrar nesse texto.
    Vc me inspira!
    Beijo de uma quase 30 nadando sem terra a vista.

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  24. ô Carol, quando sai teu livro? rs

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